Um par de dias sem o vício pós-moderno de um computador disponível e rapidamente retomo meu hábito diurno de leituras e ponho o sono em dia. Hoje acordei diante das palavras finais do romance "9 1/2 Semanas de amor" de Elizabeth McNeill, que é o pseudônimo escolhido para escrever certas coisas. Certas coisas em uma Nova York da década de 70.
A razão pela qual menciono este livro é porque me pego pensando nesse suntuoso mundo de fantasias possíveis que se apresenta (ou não) à nossa libido. No livro de McNeill, somos apresentados a um homem através das palavras de uma mulher. Não há nomes em nenhum momento. Também não há adjetivos. Apenas uma longa e precisa descrição das nove semanas e meia dela ao lado dele.
Dela sob o controle dele. Completo, físico e mental.
Em determinado momento do livro, me pego julgando a personagem principal. É a moral falando pela minha interpretação dos fatos, "como uma mulher pode se sujeitar a isso?". Subitamente, recordo-me dos ensinamentos adquiridos após anos de leituras sitemáticas de Michel Foucault. Vejo-me presa à noção da sexualidade como uma construção social, profundamente atrelada a cada época. Esta é uma noção que não traz solução ao meu dilema, pois o retrato feito por McNeill é atemporal. A maneira como sua personagem se vê frente ao relacionamento com o homem de camisas organizadas e limpas é o tipo de retrato que não cai bem em nenhuma época. Um retrato atemporal não aceito pelos tempos sociais.
Em pouquíssimos momentos, o retrato visceral de seus dias é questionado pela própria protagonista, mas naturalmente é apenas um resquício da batalha interna que ela trava entre o dominante e o recessivo. Batalha de um.
O homem é o dominante? É a presença masculina que consegue exercer um poder tal que a faz ceder de formas inusitadas e constrangedoras, deploráveis até?
Os adjetivos são da moral, é claro.
É o homem que a faz implorar por um tapa a mais? Pelo cinto indo de encontro ao seu corpo em estalidos fortes?
É o homem que a obriga a ficar algemada por horas seguidas, imóvel como uma escultura antiga de tempos em que a mulher era vista como objeto - e aceitava essa visão de si própria?
Mas ele diz que ela pode ir embora. Fora de suas fantasias, é gentil. Ela o conhece bem, mas há mistério em descobrir o que há de imprevisível no que achamos conhecer por completo. Ele expõe os termos, ela aceita. Ela quer viver aquilo, daquela maneira.
Ele o quer imprevisível daquele jeito, é o que a alimenta.
Quando chego ao final, não há mais julgamentos. Ela chora e eu a compreendo.
O homem é o recessivo. Não o conhecemos mais do que isso. A mulher é uma combinação de dois. Seu corpo subsiste diante de seus desejos. Sua alma sim, é o que a domina e controla, o que a faz suportar a dor necessária a lhe dar prazer. Foucault fala comigo novamente, poder, disciplina, liberdade. Mas é um tipo diferente de liberdade. É o que vemos em McNeill, uma libido livre, plenamente satisfeita.
De repente, estou julgando novamente, mas não a personagem, e não há moral ponderando os fatos.
Julgo minha própria libido e sua liberdade. Julgo o quão livre me permito ser nesses tempos de "pós-modernidade", onde tudo parece ser tão fluído, mas as estruturas sociais seguem sólidas como as algemas de McNeill. Firmes, mas às vezes somos tão bons em usá-las que nem as sentimos mais.
Mas como eu disse, é um retrato atemporal e indigesto aos tempos. As algemas são mais firmes quando estão incrustadas na nossa própria libido.
Libertá-la, eis nosso destino; cumpre realizá-lo. E, quem sabe, realizá-la.
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